Resistência: comunidades do sertão do Ceará lutam para barrar mineração de urânio em Santa Quitéria

O Sertão dos Inhamuns, interior do Ceará, sofreu muito com a seca. Mas a ameaça agora é ainda maior do que a privação hídrica. O projeto para extração de urânio em Santa Quitéria é acusado de ferir direitos humanos com suas irregularidades e deixará um rastro de destruição que levará séculos para ser corrigido.

O projeto que leva o nome da mártir protetora dos angustiados e deprimidos tem gerado apreensão e medo. Santa Quitéria é uma sentença de dor em uma população de pelo menos 11 municípios do sertão cearense.

A operação já teve seu licenciamento ambiental negado diversas vezes desde 2004, mas as Indústrias Nucleares do Brasil (INB) seguem firmes em seu objetivo de minerar fosfato, usado para fazer fertilizantes, e urânio da região. O primeiro insumo tornou-se urgente após o início da guerra na Ucrânia, pois a agricultura brasileira depende do produto que vem do Leste Europeu.

O plano faz parte de algo maior e mais assustador: além da retomada de Angra 3, os chamados pequenos reatores modulares (Small Modular Reactors – SMRs) estão no radar do Programa Nuclear Brasileiro desde a gestão passada. O Governo Federal já demonstrou interesse em construir uma uma quarta usina nuclear (1 gigawatt – GW) no Sudeste ou Centro-Oeste em 2031 (Plano Decenal de Expansão de Energia – PDE 2031) e a instalação de oito a dez GW de capacidade nucleoelétrica até 2050 (Plano Nacional de Energia – PNE 2050).

Escassez hídrica

O projeto de Santa Quitéria pode representar para o Ceará a maior injustiça hídrica já registrada. Trata-se de uma população vivendo no coração do semi-árido. Chove muito pouco e a água é valiosa para pessoas e animais. E o recurso escasso será usado pra lavrar minério - fosfato e urânio.

"Não temos dúvida de que a torneira fecha sempre primeiro para o povo. Quando se investe bilhões na execução de um projeto, o capital fala mais alto", avalia Erivan Silva, membro da Articulação Antinuclear do Ceará.

O projeto da lavra tem uma demanda de 855.000 litros de água por hora. Seria o suficiente para abastecer 150.000 pessoas.

Urânio em quantidades assustadoras

Estima-se que o Projeto Santa Quitéria aumente o patamar brasileiro na produção de urânio com novas 2.300 toneladas de concentrado de urânio sendo extraídas todos os anos. A região do Ceará que naturalmente já tem uma radiação acima do normal, deve tornar-se insalubre no período até 2050, com a mina em operação. E por muitos séculos depois dos tratores irem embora.

Os prejuízos anunciados pelo Consórcio Santa Quitéria podem ser muito maiores do que aquilo apresentado no plano. Os riscos causados pela radioatividade para as comunidades do entorno são imprevisíveis e podem ser muito maiores do que os apresentados no plano. Isso se não houver nenhum acidente, o que geraria uma catástrofe gigantesca.

As explosões em solo com urânio poluem a atmosfera espalhando rapidamente o gás radônio, associado ao câncer de pulmão, que decompõem-se em polônio, altamente perigoso. As partículas se depositam na terra que também é contaminada pela água de rejeito da operação. Nas pessoas e animais, o risco imediato é o câncer. Mas as mutações genéticas mesmo dos seres que saírem de lá serão transmitidas para os descendentes.

Um estudo da universidade da Argentina aponta que em ventos de 20km/h a fumaça de radônio poderia chegar a 1.000km de distância - transpondo os limites do estado do Ceará.

As cidades afetadas diretamente são:

  • Santa Quitéria
  • Itatira
  • Monsenhor Tabosa
  • Boa Viagem
  • Tamboril
  • Catunda
  • Madalena
  • Canindé
  • Sobral
  • Caucaia
  • São Gonçalo do Amarante

Essa é a maior fonte de urânio físsil do Brasil, conforme a Agência Brasileira de Inteligência.

O relatório do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) apontou diversas irregularidades no pedido de licenciamento ambiental, entre elas:

  • Omissão dos riscos associados à radiação
  • Possível emissão de gases e de radiação nas galerias já perfuradas
  • Ruído em nível superior em 10 dos 12 pontos monitorados
  • Risco de comprometimento do fornecimento de água para consumo humano e para criação de animais
  • Ausência do componente indígena e quilombola
  • Presença de espécies potencialmente afetadas pela radiação
  • Violação de pelo menos 8 padrões de emissões de poluentes
  • Omissão quanto à possível interação entre a emissão de poluentes e a emissão de vapor d'água
  • Dados conflitantes quanto à emissão de resíduos sólidos
  • Impacto do desembarque portuário e transporte do coque e do enxofre e do embarque concentrado de urânio não foram avaliados

Não existe nenhuma retirada de material radioativo no momento, mas isso já aconteceu na década de 1980 e 1990, quando foram abertas galerias nas rochas e extraído material, que não se sabe como está armazenado, conforme Virginia Berriel.

As comunidades tradicionais temem a contaminação direta e a dispersão no transporte do urânio e do fosfato. Os indígenas denunciam desrespeito aos seus territórios. As comunidades quilombolas também têm os territórios cortados por rodovias e vivem com a mesma aflição. Há ainda pescadores da Colônia Z75, de Santa Quitéria, atuam no Açude Edson Queiroz e podem ser afetados.

Os moradores relatam aumento nos casos de câncer. A taxa de mortalidade por câncer em comunidades como Morrinhos, Queimadas e Saco do Belém, é no mínimo 4 e 5 vezes maior do que a registrada no resto do Ceará.

Galerias foram construídas nos anos 1970 e 1980 para testes e isso já deixou sua marca. Se houver a produção em larga escala, o urânio será transportado até o Porto de Pecen, na Região Metropolitana de Fortaleza, levando riscos também a outras cidades.

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