Ko Sasaki/The New York Times
Reservatórios que irão guardar água radioativa na usina nuclear de Fukushima Daiichi, no Japão
A parte acima do solo não parece muita coisa, apenas alguns poucos canos prateados correndo em linha reta, ofuscados pelos muito maiores prédios marcados dos reatores próximos.
Mais impressionante é o que há não visto abaixo: um muro subterrâneo de terra congelada a cerca de 30 metros de profundidade e com cerca de 1,5 km de comprimento, visando resolver uma crise de entrada e saída de água que ameaça a devastada Usina Nuclear de Fukushima Daiichi, no Japão.
Oficialmente chamado de Muro Impermeável do Lado Terra, porém mais conhecido simplesmente como muro de gelo, o projeto soa como uma ideia fantasiosa de ficção científica ou filme de James Bond. Mas está prestes a se tornar realidade em uma tentativa ambiciosa e controversa de impedir a incessante entrada de águas subterrâneas nos prédios do reator danificado desde o desastre de cinco anos atrás, quando um terremoto e tsunami causaram uma tripla fusão nuclear.
Construído pelo governo central a um custo de 35 bilhões de ienes (cerca de R$ 1,1 bilhão), o muro de gelo visa selar os prédios do reator dentro de uma vasta barreira retangular de gelo permanente feito pelo homem.
Caso seja bem-sucedido operacionalmente nos próximos meses, o solo congelado atuará como um dique para impedir a entrada de água subterrânea nos prédios. Também ajudará a impedir o vazamento de água radioativa no oceano Pacífico próximo, o que diminuiu significativamente desde a calamidade, mas que é possível que continue.
Entretanto, o muro de gelo também é amplamente criticado como sendo uma solução cara e excessivamente complexa que pode nem mesmo funcionar. Essas preocupações ressurgiram neste mês, após o operador do plano ter anunciado que uma seção que estava ativa há mais de quatro meses ainda não tinha congelado plenamente.
Alguns também alertam que o muro, que é alimentado por eletricidade, pode ser tão vulnerável a desastres naturais quanto a própria usina, que perdeu sua capacidade de resfriar seus reatores após o tsunami de 14 metros ter provocado um apagão ali.
Os prédios do reator são vulneráveis à infiltração de água subterrânea por causa da forma como a operadora, a Tokyo Electric Power Company, ou Tepco, construiu a usina nos anos 1960, cortando uma encosta para deixá-la mais próxima do mar, de forma que a usina pudesse bombear água mais facilmente. Isso também coloca os prédios em contato com uma camada profunda de rocha permeável cheia de água, principalmente de chuva e de gelo derretido dos Montes Abukuma próximos, que flui para o Pacífico.
Os prédios conseguiram impedir a entrada de água até o acidente em 11 de março de 2011. Os próprios desastres naturais ou as fusões explosivas de três dos seis reatores da usina que ocorreram em seguida podem ter rachado as fundações dos prédios, permitindo a infiltração de água subterrânea. Mais de 150 mil litros de água por dia continuam inundando os prédios.
Assim que entra nos prédios, a água se torna radioativa, impedindo os esforços para um dia desmontar a usina. Durante o acidente, o urânio combustível se tornou tão quente que parte dele derreteu e passou pelos pisos de aço do reator e possivelmente foi parar no subsolo, apesar de ninguém saber exatamente onde está. A contínua inundação de água radioativa impede os engenheiros de procurar pelo combustível.
Desde o acidente, cinco robôs enviados aos prédios dos reatores não conseguiram voltar, por causa dos níveis elevados de radiação e obstrução por escombros.
A água também criou um pesadelo de gestão de resíduos, porque a Tepco precisa bombeá-la para fora dos prédios e para tanques de contenção assim que entram neles, para impedi-la de vazar para o Pacífico. A empresa diz que construiu mais de 1.000 tanques que agora contêm mais de 800 mil toneladas de água radioativa, o suficiente para encher mais de 320 piscinas olímpicas.
Em uma recente visita à usina, trabalhadores estavam ocupados erguendo tanques soldados mais duráveis para substituir os temporários, usados às pressas durante os primeiros anos após o acidente, pois alguns deles apresentaram vazamentos. Cada espaço disponível no amplo terreno da usina agora parece ocupado por tanques de 29 metros.
"Temos de escapar desse ciclo de acúmulo contínuo de água dentro da usina", disse Yuichi Okamura, um diretor geral da divisão de usinas nucleares da Tepco, que serviu como guia para o repórter por Fukushima Daiichi. Cerca de 7.000 trabalhadores estão empregados na limpeza.
O muro de gelo é uma tentativa de alta tecnologia para quebrar esse ciclo ao instalar o que poderia ser considerado como o maior freezer do mundo. Canos de quase 30 metros de comprimento foram fincados no solo em intervalos de 90 centímetros e preenchidos com uma solução salina super-resfriada a 30ºC negativos. Cada cano deve congelar uma coluna de solo de cerca de 45 centímetros de raio, o suficiente para chegar à coluna de gelo criada pelo cano vizinho e formar uma barreira uniforme.
Os engenheiros da construtora do muro, a gigante Kajima Corporation, estimam que serão precisos dois meses para que o solo ao redor de um cano congele plenamente. A solidificação de todo o muro, que consiste de 1.568 canos subterrâneos, exigirá 30 grandes unidades de refrigeração e consumirá eletricidade suficiente para abastecer mais de 13 mil lares japoneses por um ano.
A técnica de uso de barreiras congeladas para bloqueio de água subterrânea é usada na construção de túneis e minas por todo mundo, mas não nesta escala. E certamente não no local de um grande desastre nuclear.
Desde o início, o projeto atraiu sua parcela de céticos. Alguns dizem que obstáculos enterrados na usina, incluindo túneis que ligam os prédios dos reatores a outras estruturas, deixarão buracos no muro de gelo, fazendo com que se pareça mais como uma peneira. Outros questionam por que uma solução tão exótica é necessária, quando um muro tradicional de aço ou concreto teria um desempenho melhor.
Alguns consideram o muro de gelo uma aposta chamativa, porém desesperada, para controlar o problema da água, depois que o governo e a Tepco demoraram para tratá-lo. Aumentando a urgência há a Olimpíada de 2020, que o primeiro-ministro Shinzo Abe ajudou a trazer para Tóquio três anos atrás, assegurando ao Comitê Olímpico Internacional que os problemas de água em Fukushima Daiichi estariam sob controle.
"É uma jogada desesperada", disse Azby Brown, um pesquisador baseado no Japão da Safecast, um grupo independente de monitoramento de radiação. "A Tepco subestimou o problema da água subterrânea no início e agora o Japão está tentando compensar com uma enorme solução técnica que é muito cara."
Tanto apoiadores quanto céticos logo descobrirão se a aposta dará resultado. Após dois anos de trabalho, a Kajima concluiu em fevereiro a instalação dos canos e unidades de refrigeração para criação do muro de gelo.
No final de março, ela ativou parte do muro de gelo pela primeira vez, um trecho de cerca de 800 metros entre os prédios dos reatores e o Pacífico. Grande parte do outro lado do muro, no lado da encosta, foi ativado em meados de junho.
A Kajima está congelando o muro em etapas sob as ordens da Autoridade Reguladora Nuclear, o órgão de fiscalização nuclear do Japão. A autoridade teme que um corte repentino do fluxo de água subterrânea possa provocar uma reversão de fluxo, fazendo com que a água radioativa acumulada dentro dos prédios dos reatores comece a penetrar no solo, possivelmente chegando ao Pacífico.
Ela instruiu a Kajima a deixar meia dúzia de "portas" no lado da encosta, que não serão fechadas até grande parte da água contaminada ser drenada dos prédios.
Neste mês, a Tepco disse à agência nuclear que o segmento de gelo à beira-mar estava 99% sólido. Ela disse que alguns pontos não solidificaram por conter escombros enterrados ou areia que sobrou da construção da usina há meio século, que agora permitem que a água subterrânea flua por ela tão rapidamente que não congelará.
Mesmo se o cimento ajudar a tornar o muro de gelo impermeável, os céticos questionam quanto tempo durará. Eles apontam que essas barreiras congeladas geralmente são temporárias contra a água subterrânea nos canteiros de obras.
Eles dizem que a solução salina usada para resfriar os canos é altamente corrosiva, o que pode fazer com que quebrem ou vazem. Não se sabe se o sistema pode quebrar sob o estresse de operar em um ambiente de alta radiação onde outro terremoto pode levar a outro apagão.
"Por que construir um muro tão elaborado e frágil quando há soluções mais permanentes disponíveis?" disse Sumio Mabuchi, um ex-ministro de construções que pediu pela construção de uma parede de contenção, uma vala cheia de concreto liquido, a opção normalmente usada para bloquear água.
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