Em vez de esconder uma ameaça, deveríamos parar imediatamente as obras de Angra 3, rever seu projeto e desmontar a usina Angra 2

Por Chico Whitaker, para a Folha de São Paulo

A prisão do presidente licenciado da Eletronuclear, Othon Luiz Pinheiro da Silva, lançou novas luzes sobre a corrupção. Nas usinas nucleares, ela é um delito maior que o desvio de recursos públicos. Em Angra 3, por exemplo, a caixa-preta da obra nos diz que, para desviá-los, esqueceu-se a exigência fundamental da segurança.

Essa tecnologia para obter eletricidade se apoia em três mitos, sempre repetidos: é a mais limpa, a mais barata e a mais segura.

Os dois primeiros são facilmente desmontáveis. É limpa uma tecnologia que cria enormes quantidades de lixo radioativo, a ser "escondido" por milhares de anos? É barata se forem somados os custos dos depósitos de lixo, do desmantelamento das usinas ao final da sua validade, das sempre novas exigências de segurança? Custa pouco a assistência às vítimas de acidentes?

O terceiro mito é perigoso. Não existe obra humana 100% segura. Falhas de projeto, de material, dos operadores e interferências externas podem provocar acidentes de gravidade variável.

Há os chamados acidentes severos, com derretimento do reator e explosão da usina, que dispersam no meio ambiente toneladas de partículas radioativas (como o césio-137, 19 gramas do qual apavoraram Goiânia no ano de 1987).

Quem defende o nuclear diz que a probabilidade de acidentes é mínima, pois são muitos os cuidados tomados. Mas podemos afirmar que, se ocorrerem, serão catastróficos –haja vista Chernobil, na União Soviética, em 1986, e Fukushima, no Japão, em 2011. A caixa-preta de Angra 3 revelou que lá tais cuidados não foram tomados, mas sim empurrados para o lado.

O projeto de sua construção (o mesmo da usina Angra 2) é dos anos 1970. Não foi atualizado com as normas de segurança da Agência Internacional de Energia Atômica após os acidentes de Three Mile Island, nos EUA, em 1979, e de Chernobil, sete anos depois.

Engenheiros da Comissão Nacional de Energia Nuclear deram o alerta, mas foram calados. Seu parecer técnico foi desconsiderado. O Ministério Público Federal soube disso e fez exigências. Essas dúvidas imporiam uma revisão do projeto, atrasando e talvez até inviabilizando a obra. A resposta foi quase cínica: atenderiam às exigências, mas depois de terminada a obra.

Em maio de 2010, Angra 3 foi licenciada e conseguiu-se arquivar uma Ação Civil Pública do Ministério Público Federal que pedia a sua nulidade. Propinas tinham sido pagas desde 2009, antes mesmo da licença. Qual punição merecem os autores de tão tenebroso conluio?

Os jornais criariam pânico se dessem a esse escândalo mais espaço do que a simples notícia de corrupção? Pode ser. Mas os turistas e moradores da região, do vale do Paraíba, do sul de Minas, do Rio e de São Paulo ignoram o perigo de uma explosão das usinas, com ventos levando partículas radioativas a suas casas. Em Chernobil, uma nuvem como essa cobriu a Europa.

Não seria melhor se os potenciais atingidos tomassem consciência disso e agissem para evitá-lo? Em vez de esconder a ameaça, deveríamos parar Angra 3, rever seu projeto e desmontar Angra 2. A usina de Grafenrheinfeld, na Alemanha, referência de ambas, está sendo desmontada, como todas daquele país.

A segurança nuclear é uma exigência ética. Ninguém tem o direito de ignorar os riscos da manipulação do átomo.

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