Causou muita estranheza para nós, militantes antinucleares brasileiros, a matéria publicada por esse jornal em 5 de abril último, com o título “Prisão do mais importante cientista nuclear brasileiro é questiona....

Somos todos leitores do Brasil de Fato e admiramos o trabalho que vocês fazem para que tenhamos a informação que a grande mídia nos esconde. Por isso mesmo, pareceu-nos que esse artigo, com seu tom propagandístico de matéria paga – coisa que temos a certeza de que não tem espaço na ética desse jornal - estava incompreensivelmente fora de lugar.

É bem verdade que no Brasil a questão nuclear é controversa, mesmo dentro da esquerda, e as citações feitas no artigo refletem a adoção acrítica da opção nuclear que infelizmente subsiste no Brasil. Isto resulta de um lado de uma desinformação generalizada – que procuramos superar, contra o poder do lobby nuclear, por todos os meios ao nosso alcance – e, de outro, de posições históricas que já não resistiriam a um debate objetivo.

Mas nossa militância nos leva a ter acesso a muitas análises que se fazem lá fora em torno dos custos, da segurança e das consequências do uso da energia atômica para produzir eletricidade. Por exemplo, uma afirmação significativa que ganha cada vez mais espaço, especialmente em países que “embarcaram” no nuclear e hoje estão tendo dificuldade em “sair do nuclear”, é simplesmente a seguinte: a era das usinas nucleares, que terá durado algumas décadas, está terminando, com a elevação de seus custos e riscos; estamos agora entrando na era do lixo nuclear, que durará milhões de anos, com custos ainda maiores e sem contrapartida, e que está se mostrando cada vez mais problemática, como ilustra uma notícia recentíssima vinda dos Estados Unidos: sem que se saiba ainda todas as consequências, perto de Seattle ruiu um túnel que tinha sido entupido com vagões carregados de rejeitos radioativos, provenientes de usina de produção de plutônio para uso militar...

Esta visão quase apocalíptica da questão nuclear não passa nem de longe pelas cogitações de nossos nucleocratas, e muito menos dos nossos responsáveis políticos: um dirigente de importante entidade industrial afirmou há pouco em artigo publicado em Brasília que a indústria nuclear está florescendo no mundo... Mas nossa estranheza com a matéria publicada pelo Brasil de Fato - é mais propriamente a respeito do personagem que é nela defendido, como se fosse um herói injustiçado. Sobre isto consideramos que o Brasil de Fato deveria se informar sobre o papel extremamente daninho deste senhor para que se concretize algo que nós, militantes antinucleares, consideramos a maior insanidade que poderia ocorrer em nosso país: prosseguir na construção da usina nuclear de Angra 3.

Pouca gente sabe que o projeto com o qual se retomou em 2010 essa construção – agora interrompida por razões econômicas e por descobertas da Lava Jato – foi elaborado na década de 70. Ora - pasme-se - ele continuava a ser seguido na construção da usina sem ter sido revisto a partir das lições de três grandes acidentes ocorridos no mundo nestes trinta anos: em Three Miles Island, nos Estados Unidos, em 79, no final portanto dessa mesma década; em Chernobyl na então União Soviética, em 1986; e em Fukushima, no Japão, em 2011.

O que se constatou nesses acidentes foi algo muito grave, que até então era considerado impossível: em determinadas circunstâncias, o reator nuclear de uma usina nuclear pode vir a explodir e fundir (com a massa fundida penetrando na terra, como está ocorrendo em Fukushima). E com isso se dissemina, no ar e pelo lençol freático, tanta radioatividade que o acidente se transforma em catástrofe social, ambiental, econômica e política.

Ora, o que fez o Almirante defendido na matéria publicada no Brasil de Fato: ele levou a Comissão Nacional de Energia Nuclear, que preparava um novo licenciamento da obra (interrompida pela primeira vez na década de 80), a engavetar um parecer técnico de seus funcionários que dizia o óbvio, dentro do simples bom senso: para licenciar era preciso primeiro rever o projeto! Levando em conta, também obviamente, as normas baixadas pela Agencia Internacional de Energia Nuclear!

Esta estória tem outros capítulos, como o da intervenção do Ministério Público Federal, que tomou conhecimento dessa irresponsabilidade, ou como as matérias de jornais que estranharam aquele licenciamento – tudo devidamente silenciado... Mas é importante saber que, por detrás, as decisões da Eletronuclear - presidida pelo Almirante - e da Comissão Nacional de Energia Nuclear já vinham sendo “azeitadas” pelas propinas da Andrade Gutierrez, que perderia seu grande negócio se a revisão fosse feita, mudando o objeto do contrato.

Esperemos que essa construção nunca prossiga nessas condições e com isso diminuamos o risco de termos em Angra a infelicidade de um acidente como os de Chernobyl e Fukushima, que interditarão grandes extensões do litoral norte de São Paulo e do sul de Minas e contaminarão as populações da área e até de São Paulo e do Rio, conforme os ventos decidirem.

Mas no caso de um tal acidente, a prisão contra a qual se insurgem os autores da matéria seria uma punição suficiente para o personagem a que estamos nos referindo, como responsável efetivo pelo licenciamento absurdo de Angra 3 e pelas tragédias que poderia acarretar? Preferiríamos que o projeto fosse revisto e tal situação não se apresentasse. E que “o mais importante cientista nuclear brasileiro” – se é que essa afirmação se sustenta em matérias não pagas – pudesse completar seus dias imerso nas suas pesquisas e estudos.

Agradecemos sua atenção, solicitando que o “Brasil de Fato” publique esta contestação.

Facilitadores da Articulação Antinuclear Brasileira:

- Célio Bermann, Prof. do Instituto de Energia e Ambiente da USP e Coordenador do Programa de PG em Energia da USP

- Chico Whitaker, Coalizão por um Brasil livre de usinas nucleares, São Paulo

- Erivan Silva, Articulação Antinuclear do Ceará

- Gitana Nebel, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS

Grupo de Pesquisa Tecnologia, Meio Ambiente e Sociedade TEMAS

- Renato Cunha, Grupo Ambientalista da Bahia – Gambá, Salvador (Bahia)

- Zoraide Vilasboas, Associação Movimento Paulo Jackson – Ética, Justiça, Cidadania (Bahia)

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