Carta à Mãe Terra diz não ao Marco Temporal e à energia nuclear!

A carta “Vozes de Ilhéus à Assembleia da Mãe Terra e aos povos da Terra”, assumida por mais de 300 participantes do 2º Fórum Brasileiro dos Direitos da Natureza, disse não à energia nuclear, defendeu o urgente reconhecimento dos direitos da Natureza e requereu ao presidente Lula o veto do Marco Temporal das terras indígenas.

Mas o PL 2903, aprovado pelo Senado, apesar de extinto pelo Supremo Tribunal Federal (STF), só foi vetado parcialmente por Lula na última sexta-feira.

Visto pelos nativos como “PL da morte”, o impacto do veto parcial sobre o futuro dos povos originários está sendo avaliado por suas lideranças. Já no Congresso, a bancada do boi quer derrubar o veto presidencial.

Ao som de maracas, do cheiro da mata, de cânticos e rezas, o místico ritual “Poransym” envolveu os participantes em torno do fogo, invocando a benção da Mãe Terra e dos grandes espíritos para os trabalhos do Fórum, iniciados numa sexta-feira na Aldeia Tukum TI Tupinambá de Olivença (Ilhéus-BA, 6 a 8/10/23). Ali foi vibrante a reafirmação do direito originário à propriedade coletiva dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, reivindicando a urgente demarcação e titulação dos territórios.

Após a cerimônia, a oca foi palco de um momento revelador da missão ancestral indígena na defesa do direito da Mãe Terra viver, e ser fonte de vida para todos os seres do planeta. A partilha de experiências sobre a convivência direta com a natureza, evidenciaram que os povos originários são guardiões naturais da Terra. Eles preservam córregos, rios, lagos, mares, tendo a água como base de sustentação da vida. E são fundamentais na proteção dos biomas brasileiros. Segundo estudo do MapBiomas, só 1,6% do desmatamento registrado nos últimos 30 anos no Brasil, ocorreu em territórios demarcados. Já nas áreas privadas houve 68% de desmatamento.

À sombra das árvores perto do rio Kurupytanga, um saboroso almoço revigorou as energias para o círculo de conversa que prosseguiu à tarde, com a escuta das vivências e saberes dos caciques Ramon e Sussuarana, das cacicas Nádia Akawã e Valdelice (Tupinambás), do cacique José Antônio Pataxó Hā Hā Hāe e outras lideranças. Todos indicando caminhos para deter os “podres poderes” que secularmente vêm domesticando a humanidade e violentando a natureza, vista como fonte de recursos a serviço da ganância dos espoliadores dos bens comuns da Mãe Terra. Coube ao cacique Tawari Titiah informar o assassinato nesse mesmo dia, do parente Iran, vítima de mais uma violência contra a Aldeia Pataxó Hā Hā Hāe (Pau Brasil-BA).

No sábado, na Faculdade de Direito da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), gestores do saber oficial ouviram assertivas observações do cacique Ramon, que criticou o distanciamento das universidades da história, dos problemas e demandas das comunidades nativas especialmente no campo da extensão universitária, onde é evidente a invisibilidade dos povos tradicionais. Foi um dia de oficinas com posições firmes contra a exploração de petróleo; a falácia da economia verde que mercantiliza a natureza, através dos “serviços ambientais”, do REM, REDD, REDD+ e mercado de carbono, e a tal economia azul, que significa mercantilização do sistema costeiro marinho.

Porque a luta antinuclear abraça e reconhece os direitos da Mãe Terra

Os conflitos relatados no Fórum destacaram o hidro-agronegócio, o monocultivo e a mineração, como muito nocivas. Na oficina sobre “Direitos da Natureza e Transição Energética Popular no Combate às Mudanças Climáticas”, explicamos que a Articulação Antinuclear Brasileira repudia a energia nuclear porque o uso da tecnologia atômica para produzir eletricidade destrói a Vida, já que os prejuízos da contaminação radioativa e tóxica – o incontrolável lixo radioativo – levam milhares de anos para desaparecer, muitos sendo irreversíveis.

Todas as etapas da cadeia de exploração do urânio contêm perigos. São devastadores e estão presentes desde a mineração, primeira etapa do ciclo de produção da energia nuclear. A exploração do minério pelas Industrias Nucleares do Brasil vem destruindo a natureza na região de Caetité (BA), sede da única mineração de urânio em operação na América Latina. A extração começou em 2000 sem a licença ambiental do IBAMA e sem a licença radiológica da Comissão Nacional de Energia Nuclear, que ao mesmo tempo formula, executa e fiscaliza as atividades atômicas no Brasil.

Após 23 anos, temos uma região afetada pela contaminação radioativa e tóxica das águas subterrâneas e superficiais, do ar, da flora, da fauna, da terra. E o pior, temos adoecimento e morte de comunitários e trabalhadores por doenças causadas pela radiação ionizante, com o registro dos maiores índices de câncer no estado da Bahia. Esta tragédia, uma das piores chagas do Programa Nuclear Brasileiro, já fora anunciada pelo Estudo de Impacto Ambiental da mineração.

Mas os danos previstos foram muito mais agravados pela irresponsabilidade e incompetência técnica e gerencial da empresa, que, há muito tempo, é líder regional em multas e crimes ambientais e trabalhistas; por agressões brutais à Mãe Terra; pela sistemática e brutal violação dos Direitos Humanos. Os prejuízos estão comprovados por estudos e pesquisas da sociedade civil e de órgãos oficiais de fiscalização e controle da mineração.

A energia nuclear é uma falsa solução para tentar mitigar os impactos das mudanças climáticas porque é suja, cara, perigosa e comprovadamente insustentável, econômico, social e ambientalmente. Precisamos banir a nuclear da matriz energética brasileira (insignificante 1,2% da matriz elétrica) ampliando as fontes renováveis, tão abundantes em nosso país.

Reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU), o Fórum, encerrado no domingo com o Festival de Arte e Cultura, começou a construir a Assembleia da Terra Brasil da ONU (abril de 2024), que deverá aprovar a Declaração Universal dos Direitos da Mãe Terra, reconhecimento mundial da Natureza, como sujeito de direitos. O Fórum foi uma realização da Articulação Nacional pelos Direitos da Natureza e outras entidades e movimentos socioambientais. A íntegra da Carta de Ilhéus está na página do Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental

Clique para ler a carta.

Zoraide Vilasboas
Facilitadora da Articulação Antinuclear Brasileira
Fotos AAB e FMCJS

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