Aos 30 anos da tragédia de Goiânia, vítimas criam Fórum Permanente Sobre o Acidente com o Césio 137

Uma série de organizações que reúne vítimas da tragédia do Césio 137, seus apoiadores e militantes antinucleares pretende não deixar o 30º ano do maior acidente radioativo do Brasil passar em branco. No próximo dia 24, no Auditório Costa Lima, na Assembleia Legislativa, em Goiânia, será lançado o Fórum Permanente sobre o acidente com o Césio 137. O objetivo é pressionar o poder público para que preste a devida assistência às vítimas e realizar o registro e documentação das narrativas do acidente, marcado por omissões e segredos por parte do estado, principalmente o órgão responsável pela política nuclear no Brasil, a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN).

Há quase 30 anos atrás, em setembro de 1987, Goiânia foi palco da tragédia do Césio 137, maior acidente radioativo brasileiro. Segundo os dados oficiais, apenas 17 gramas de césio radioativo abandonados dentro de um aparelho radiológico no centro de Goiânia mataram de imediato 4 pessoas e contaminaram mais de mil com efeitos ainda não conhecidos ao longo dos anos. Para a Associação de Vítimas do Césio o número de pessoas atingidas é muito maior, impossível de se mensurar. A cápsula de césio havia sido abandonada em um aparelho radiológico no centro de Goiânia, sem a devida comunicação à CNEN.

Serviço - Lançamento do Fórum Permanente sobre o acidente com o Césio 137

Quando: 24/04/2017, às 9h

Onde: Auditório Costa Lima, Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, Goiânia.

Saiba mais sobre a tragédia do Césio 137:

 

Saiba mais sobre as origens e objetivos fórum: 

         Em 13 de setembro de 2017 o acidente com o césio-137 completará 30 anos. Na verdade, o termo acidente aplica-se apenas aos fatos iniciados em 6 de setembro de 1987, quando Roberto Santos Alves e Wagner Motta retiraram uma fonte de césio-137 das ruínas do Instituto de Radioterapia e a abriram, liberando 17g desta substância e dando início à tragédia. Daí em diante, quando as autoridades sanitárias e a CNEN já tinham conhecimento de que em Goiânia havia contaminação pelo césio-137 e, mesmo assim, mantendo o caso em absurdo sigilo, mandou policiais e outros trabalhadores, desinformados do perigo que corriam, e sem nenhuma proteção, entrarem em contato direto com o material contaminado, não se tratou mais de um acidente, mas de uma conduta criminosa do Estado para com seus servidores.

           O monopólio da informação gerou a desinformação, que multiplicou infinitamente as consequências da tragédia, sendo tal cortina de fumaça responsável até hoje pela manutenção de um imaginário insano que causa terror à população e a torna cúmplice do processo de esquecimento que as autoridades insistem em impor a esta infeliz ocorrência. De fato, por desconhecer os efeitos da contaminação pelo césio-137 e por deter o monopólio sobre tudo o que diz respeito a assuntos radiológicos e nucleares, a CNEN omitiu informações sobre a dimensão dos fatos, e as demais autoridades, numa guerra de atribuições de competências, também se omitiram, deixando a população entregue à mercê de seu próprio imaginário. Isso promoveu um clima de terror e pânico, que acabou gerando na época e até os dias atuais, uma severa discriminação às vítimas do césio-137, e uma dúvida constante sobre a real situação de descontaminação de Goiânia, e da segurança do depósito de rejeitos radioativos localizados em Abadia.

                  Setembro de 2017 será o registro da passagem da terceira década da tragédia, marcada pela negação de sua memória, pelo proposital esquecimento dos fatos, pelo descaso em relação às vítimas e, sobretudo, pela continuidade da mesma política nuclear perversa e antidemocrática, que a gerou e pode ocasionar, a qualquer momento, Brasil afora, a repetição do mesmo episódio. Ano após ano as autoridades responsáveis pela assistência às vítimas praticaram meias soluções, negando-lhes o direito à uma assistência integral e digna de quem foi ofendido pela inépcia e pelo crime cometido pelo próprio estado; as autoridades científicas encarregadas do monitoramento do depósito de Abadia disseram e continuam a dizer meias verdades sobre a real situação dos rejeitos radioativos negando à sociedade goiana seu legítimo direito à informação, e consequentemente, o  direito de acesso à sua própria história.

      Não é justo que as futuras gerações desconheçam sua própria história, nenhum poder público tem o direito, à qualquer título, de negar às futuras gerações, a verdade que integra sua existência. Não apenas as futuras gerações mas todos nós. Na verdade, estamos diante de um problema de características muito peculiares: ao falarmos de um fato desencadeado em 1987, embora tenhamos para com ele um distanciamento no tempo, mantemos com ele total proximidade em relação às suas consequências, que se fazem presentes até hoje e que  projetarão impactos por muitas décadas na saúde das futuras gerações das famílias das vítimas, e por mais 270 anos em relação ao perigo representados pelos rejeitos radioativos armazenados em Abadia de Goiás. Portanto, não estamos nos referindo à fatos neutralizados pelo tempo, mas a efeitos que o próprio tempo ainda não abrandou, e que nos atingem até hoje, a cada momento, e que também, por isso, não podemos minimizar e muito menos fazer de conta que não existem.

           Somos todos vítimas do que ocorreu em Goiânia em setembro de 1987. Somos todos vítimas desta famigerada política nuclear brasileira operada por uma instituição, a CNEN, que se auto-fiscaliza e que toma decisões à revelia da vontade da sociedade brasileira. Tal fato contraria a própria Constituição Federal, que garante ao cidadão o direito à informação. Portanto, o governo federal, através da CNEM, não tem o direito de manter em sigilo, sob qualquer pretexto, os reais objetivos e mecanismos de condução da política nuclear brasileira, impedindo a sociedade de opinar e decidir sobre tão vital questão, que tem impacto direto e decisivo sobre seu futuro e sua segurança.

            Durante todos estes anos muitas iniciativas de intervenção a favor das vítimas foram feitas por diversos setores da sociedade goiana e de fora do Estado, sempre esbarrando em atitudes negativas e hostis por parte do poder público, que sempre pretendeu relegar este assunto ao esquecimento, condição que afeta diretamente as vítimas, pois quanto mais a sociedade é afastada do tema, e menos fiscalizado é o Estado, mais ele negligencia a assistência às  vítimas, precarizando cada vez mais suas condições de existência, negando-lhes portanto, a a própria cidadania.

           Neste contexto, o lançamento do Fórum Permanente sobre o Césio-137 representa uma tomada de posição política da sociedade  goiana em relação ao acidente e suas consequências, através da participação efetiva não apenas em relação a estes temas, mas sobretudo na fiscalização do modo pelo qual o governo tem assistido as vítimas em relação à sua saúde, e todos os demais direitos que lhes assiste, buscando mobilizar a opinião pública e pressionar as instâncias políticas e jurídicas para que resolvam com justiça e em definitivo, os graves problemas que elas mesmas geraram, soluções estas que há muito se tornaram inadiáveis.

           O Fórum também buscará compreender o acidente e suas consequências de forma estrutural e completa, posto que este  envolveu  inúmeras variáveis e dimensões, que não  foram ainda reunidas em um quadro explicativo coerente, requisito  essencial para a recomposição da própria história. A sociedade goiana não pode ser omissa em relação à sua história. É necessário que nos apropriemos dela como condição para decidirmos nossos destinos. Temos a obrigação, para com o Brasil e o mundo, de passa-la à limpo e entregar às futuras gerações este legado que poderá prevenir o cometimento de novos erros.

                O caráter permanente do Fórum que ora se instala indica a intenção de, a partir de agora, esboçar ações contínuas em benefício da recomposição da memória da tragédia de Goiânia, da defesa dos direitos das vítimas do césio-137, e de estimular as novas gerações à buscar conhecer esta faceta da sua própria história. Por isto será lançado em abril e buscará perpetuar-se, através da inserção de novos membros, novas iniciativas e conexões com temas  e estudos afins. Ele estará sempre aberto para acolher novos membros e parceiros que compartilhem de seus objetivos e que queiram a ele se integrar, trazendo seus conhecimentos, experiências e projetos, que serão incluídos em seu cronograma de ações.   

        Neste sentido, o acidente-crime de Goiânia será tratado no contexto mais amplo da discussão sobre a política nuclear antidemocrática adotada pelo Brasil, e que foi responsável pela tragédia de Goiânia. Assim, passaremos a discutir Goiânia, juntamente com instituições de outros Estados e do exterior, a partir da discussão da matriz energética adotada pelo Brasil, que tem na CNEN a única instituição que ao mesmo tempo é dona de toda indústria nuclear brasileira, a única que a opera e a única que se auto-fiscaliza, decidindo o que, por quem, quando e para que se tomarão decisões na esfera nuclear e radiológica no Brasil.

           Assim caracterizado, o acidente com o césio-137 circunscreve-se em uma discussão mais abrangente, não sendo tratado apenas na esfera regional, mas nacional e mundial, envolvendo tanto a questão mais ampla do nuclear no Brasil, quanto a solução digna dos problemas por ele gerados para as vitimas de Goiânia, problemas estes que dizem respeito ao Brasil e ao mundo, por se enquadrarem em uma categoria de questão que afeta toda humanidade.

             O Fórum atuará no sentido de recompor a história do acidente para além do discurso oficial, caracterizado por lacunas e meias verdades, e buscará em estudos científicos, nos relatos das vítimas diretas(civis e militares) , em fotos e vídeos feitos à época do acidente, bem como no relato de autoridades que atuaram no caso e relatos de pessoas que, por residirem nas imediações dos lugares onde houve contaminação, todos os detalhes, facetas e desdobramentos que facilitem o preenchimento das lacunas de informação, e a recomposição da verdade sobre a tragédia de Goiânia. Somente assim, buscando a verdade dos fatos baseadas em dados fidedignos e o mais possível isentos de ilações e fantasias, poderemos recompor a verdadeira trajetória do acidente e estarmos quites com nosso tempo, ao entregar para as futuras gerações o fiel relato da história a que elas tem direito.

          É com base nestas verdades históricas que o Fórum Permanente sobre o Acidente com o Césio-137 atuará na defesa intransigente dos direitos das vítimas e na restauração de sua dignidade e cidadania.

       Para a realização de seus objetivos o Fórum será lançado em 24 de abril de 2017, quando será levado ao conhecimento da sociedade, e atuará segundo um cronograma de atividades, que se estenderá por todo o ano de 2017 e seguintes. Tal cronograma será executado através do esforço conjunto de instituições parceiras, cada uma atuando segundo suas características próprias nos setores artístico, político, científico, jurídico, etc. Todas estas atividades, no mesmo momento de seu planejamento e execução, servirão sempre ao propósito de estimular discussões sobre o acidente, e envolver parcelas cada vez maiores da sociedade goiana, nacional e internacional na questão, contribuindo, assim, para manter definitivamente viva a memória da tragédia. Todos esses trabalhos serão documentados em fotos, vídeos,documentos escritos e divulgados nas redes sociais, em jornais, rádios, tv, etc. Serão, sobretudo,  catalogados e arquivados, garantindo  assim, sua conservação.

         Na busca de cumprir as metas propostas o Fórum Permanente sobre o Acidente com o Césio-137 espera envolver toda a sociedade na tomada de consciência das verdadeiras causas e efeitos deste trágico episódio que marcou sua história recente, a fim de que nunca mais uma luz brilhe para obscurecer a vida, e para que o sacrifício de tantas vidas não tenha sido em vão.

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