Seminário discute os impactos e perigos do Programa Nuclear Brasileiro

Ameaça às comunidades próximas a usinas, em áreas de mineração de urânio e a falta de parâmetros de segurança na construção de Angra 3, que já nasce obsoleta, foram destaques das reflexões

Por Juliana Ferreira, para a Articulação Antinuclear Brasileira

Mentira. Essa foi uma das palavras mais mencionadas no seminário que discutiu o Programa Nuclear Brasileiro. Ativistas antinucleares, pesquisadores e representantes de comunidades atingidas estiveram reunidos em Angra dos Reis (RJ), no dia 7 de agosto, para discutir as contradições e perspectivas da energia nuclear no Brasil. Em comum nos discursos ficou clara a falta de transparência e autoritarismo que rondam a questão nuclear no Brasil.

Em meio à discussão sobre as acusações de corrupção envolvendo a Eletronuclear na Operação Lava-Jato, Chico Whitaker, da Coalização por um Brasil Livre de Usinas Nucleares, informou que a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) engavetou, em 2008, um parecer técnico assinado por um de seus engenheiros de segurança, Sydnei Rabello, e endossado por mais três técnicos da Comissão. O parecer fundamentaria uma eventual negativa do licenciamento de Angra 3. Nele, se afirma que o projeto não foi atualizado para respeitar as condições de segurança exigidas atualmente.

“Ele constatou que o projeto de Angra 3 é dos anos 70, portanto anterior aos desastres de Three Miles Island e Chernobyl, que determinaram muitas novas normas da Agência Internacional de Energia Atômica. A mais crucial de todas é a relativa ao edifício de contenção, que precisa ser suficientemente sólido para evitar que escape uma nuvem radioativa em caso de explosão por causa do derretimento do reator - que é o chamado "acidente severo" - como aconteceu em Chernobyl e em Fukushima”, explica Chico Whitaker. Segundo o projeto atual de Angra 3, o projeto prevê uma parede externa de somente 60 cm de espessura, muito menor do que a exigida pelas normas atuais.

Sylvia Chada (Sapê), Chico Whitaker (Coalizão por um Brasil Livre de Usinas Nucleares) e Thiago Almeida (Greenpeace), na mesa sobre Angra 3

Dawid Bartelt, da Fundação Heinrich Böll, também destacou o recente fechamento da usina de Grafenrheinfeld, na Alemanha, que é idêntica a Angra 3. Ele considera um contrasenso o Brasil construir uma usina com uma tecnologia de 40 anos atrás e cujas diretrizes de segurança não seriam mais aprovadas na Alemanha.

Para Whitaker, os desdobramentos da operação lava-jato parecem explicar o descaso com as normas de segurança. Essas impediriam que se realizasse a obra como estava programado, enquanto havia a intenção de tirar proveito dela. As manobras chegaram a envolver até pareceres do Tribunal de Contas da União quanto ao edital de licitação.

Outras preocupações relativas à segurança das usinas nucleares brasileira foram apresentadas por Célio Bermann, do Instituto de Energia e Ambiente da USP. Segundo estudo conduzido pelo professor a pedido de instituições alemãs, as usinas de Angra dos Reis apresentam inúmeros riscos como os frequentes deslizamentos de terra, um sistema de backup de energia insuficiente e um plano de emergência a ser realizado em estradas precárias e que prevê apenas um raio de 5 km para evacuação, Fukushima, por exemplo, evacuou um raio de 20 km.

Comunidades atingidas

Durante o seminário foram várias falas ressaltando que somente o risco que um acidentes nuclear representa à humanidade já justificaria o abandono do uso desse tipo de energia. No entanto há muitos outros fatores, como o custo altíssimo, a falta de definição do que fazer com o lixo atômico e os impactos nas comunidades no entorno de áreas de mineração e de instalação de usinas. Foram relatados no seminário os impactos sofridos pela comunidade em áreas de mineração de urânio em Caetité (BA), onde os impactos à saúde são notados no aumento de casos de câncer. Santa Quitéria, no Ceará, também está ameaçada com a exploração de uma mina de fosfato com traços de urânio que pode contaminar o solo, alimentos e água.

Também estiveram presentes vítimas de outras modalidades de uso da radioatividade. Sueli Silva, presidente da Associação de Vítimas do Césio, deu um emocionante depoimento sobre o acidente do Césio 137, em Goiânia em 1987. Venâncio Alves, ex-funcionário da indústria minero-química Nuclemon, relatou as condições de trabalho a que ele e outros funcionários foram submetidos na produção de terras raras. Devido à  presença de tório e urânio nas areias monazíticas houve danos à saúde dos funcionários e suas famílias além de um enorme passivo ambiental com o acúmulo de 100 mil toneladas de lixo radioativo que atualmente está armazenado em área povoada, na zona sul da capital paulista.

Jorge Pankará, Venâncio Alves, Gilmar Santos, Erivan Silva e Sueli Santos relataram os impactos da questão nuclear em suas comunidades

Índios Pankará ameaçados por usina

Em alguns casos somente a ameaça de construção de uma usina já interfere negativamente na vida da população, é o caso da cidade de Itacuruba, em Pernambuco, onde especula-se o projeto de construção de uma unidade de produção de energia nuclear. Jorge Pankará esteve no seminário compartilhando os impactos que a cidade e o povo Pankará vêm sofrendo. O poder público local e alguns políticos já se articulam para tirar proveito da obra, adquirindo terras na área de influência da usina e pleiteando recursos para obras. Os que se opõem à construção de uma usina na beira do Rio São Francisco são hostilizados, como é o caso de Jorge, que tem recebido ameaças anônimas à sua vida e de sua família.

Até hoje o assunto não foi tratado abertamente, a comunidade está certa dos planos por conta da construção de uma estrada num local onde não há demanda desse tipo de infra-estrutura: “Fomos informados pela Articulação Antinuclear Brasileira que existia o projeto de construir uma usina em Itacuruba, fomos observando e nos aprofundando no assunto. Quando a estrada veio, ela para a 500 metros do local onde falam que adquiriram para construir. Então a gente não tem dúvida de que ela vai servir para a construção da usina nuclear. Mas até hoje ninguém chegou lá para informar a gente”, afirma Jorge.

Além dos danos que a usina pode causar, já que a aldeia está rio abaixo do local em que se pretende instalar, e dos que já causou – a estrada passa na frente da aldeia – a demarcação do território indígena está prejudicada devido à falta de interesse político: O governo tem a pretensão de construir essa usina nuclear então não libera recurso pra FUNAI para que ela monte o GT de demarcação de nossa terra, identifique os posseiros. Isso atrapalha a demarcação de nossa terra”, reclama Jorge.

Programação antinuclear

O seminário foi parte de uma programação que reuniu organizações antinucleares em Angra dos Reis. O encontro Hiroshima Nunca Mais, organizado pela Sapê e Articulação Antinuclear Brasileira, iniciou dia 6 de agosto, com a abertura da “Exposição Hiroshima 70”, marcando os 70 anos do lançamento da bomba nuclear sobre a cidade japonesa. No dia seguinte foi realizado o seminário O Programa Nuclear Brasileiro na Política Energética Nacional: Contradições e Perspectivas e o encontro finalizou no dia 8 com uma reunião de planejamento da Articulação Antinuclear Brasileira.

Exibições: 317

Comentar

Você precisa ser um membro de Articulação Antinuclear Brasileira para adicionar comentários!

Entrar em Articulação Antinuclear Brasileira

Fazemos parte da Frente por uma Nova Política Energética

Acesse!

Site      Facebook    Twitter

© 2024   Criado por Articulação Antinuclear BR.   Ativado por

Badges  |  Relatar um incidente  |  Termos de serviço