Geopolítica da Nuclearidade e a mineração de urânio na Bahia

Área de britagem não é impermeabilizada. A rocha, rica em urânio, tem que ser britada para virar areia e liberar o urânio. Quando chove, o pó vai para o lençol freático

Desde os anos 1980, a confiança de que a tecnociência, por si só – independente de interferências sociais e políticas – conduziria as sociedades humanas ao desenvolvimento e ao progresso vem sendo discutida por certas vertentes das Ciências Sociais e pelos Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia. Embora reconheçam os benefícios da ciência e tecnologia, abordagens críticas destacam os efeitos colaterais das práticas tecnocientíficas
No artigo "Provincializando a Sociedade de Risco: uma Análise a partir da Geopolítica da Nuclearidade", o prof. Bruno Lucas Saliba de Paula, fez um estudo crítico da literatura sobre a "sociedade de risco" (Beck, 2011) e a "modernização reflexiva" (Beck, 1997) para discutir a distribuição desigual de riscos ambientais, que resulta em injustiças ambientais (Porto, 2007). O estudo aborda a "geopolítica da nuclearidade" (Hecht, 2012), que trata da admissão da periculosidade das atividades atômicas dependendo do local de sua ocorrência.

Nos países pobres, a extração e o beneficiamento de urânio são consideradas menos perigosos e menos dignos de cuidados específicos do que a geração de energia em usinas nucleares, mais presentes em países ricos. Mesmo expostos a consideráveis riscos radiológicos, trabalhadores da mineração têm menos proteção ocupacional do que aqueles das usinas. Isto aumenta a vulnerabilidade das populações de regiões periféricas, expostas a práticas “menos nucleares”, enquanto potencializa a segurança dos cidadãos dos países centrais, onde acontecem atividades tidas como “nucleares”, que requerem precauções.


O estudo do prof. Bruno se distingue politicamente pela abordagem critica de questões ambientais e da dependência energética, sobretudo neste momento de colapso ambiental generalizado, que até já indica um "ponto de não retorno". A retórica da energia limpa não se sustenta no caso da nuclear, pois o ciclo de geração de energia atômica emite o principal gás de efeito estufa (CO2), e gera um passivo ambiental praticamente irreversível somando lixo atômico e contaminação ambiental e de pessoas. O Dr. em Sociologia pela UNB traz dados empíricos de uma pesquisa feita em Caetité, município do sudoeste baiano, sobre mineração e beneficiamento de urânio, realizadas pelas Indústrias Nucleares do Brasil (INB).

O prof. Bruno constatou que desde que começaram, em 2000, essas atividades levantam várias questões sobre as condições ambientais e de saúde pública na região, com denúncias de contaminação do meio ambiente e do adoecimento da população local. A INB esforça-se para naturalizar os riscos de suas atividades, argumentando que as contaminações e ameaças à saúde decorrem da presença natural do urânio no ambiente (Lisboa; Zagallo; Mello, 2011; Silva, 2015). Tenta assim desnuclearizar suas atividades. Já os movimentos sociais sustentam que os prejuízos socioambientais são oriundos da exploração de urânio, buscando “nuclearizar” as operações da INB.

A nuclearidade ou não dessas operações, portanto, é um ponto central nesse debate. Algo parecido ocorre nas minas de urânio do Níger, Gabão e Namíbia, igualmente desnuclearizadas (Hecht, 2012, 2012), ou nas práticas de “colonialismo nuclear” (Hsu, 2014), que expõem regiões e populações periferizadas a contaminações atômicas produzidas por exercícios militares. O pesquisador acha que, apesar da sua relevância, as teorizações sobre a sociedade de risco e a reflexividade são insuficientes para explicar os processos de distribuição desigual de riscos ao redor do globo, típicos de injustiças ambientais. Assim, além de questionar o caráter eurocentrado e provincializado de uma discussão que se pretende universal – aquela sobre a sociedade de risco – propõe uma reflexividade sobre a reflexividade.

A experiência de Caetité – contexto periférico estrategicamente desnuclearizado – pode “servir de suporte empírico para a análise de um caso de injustiça ambiental, mas também para a sugestão de questionamentos perante uma teorização que se tornou canônica nas Ciências Sociais, como o pensamento beckiano e as conceituações sobre a sociedade de risco”, afirma o prof. Bruno. Ele aponta “a importância do conhecimento científico independente para fundamentar as reivindicações dos movimentos sociais. Se o que conta nas disputas políticas e argumentativas sobre a mineração de urânio são evidências científicas, é preciso fomentar, no caso de conflitos ambientais, ciências engajadas com causas de movimentos sociais. Caetité nos traz exemplos emblemáticos nesse sentido.”

A íntegra do documento está em https://ojs.uel.br/revistas/uel/index.php/mediacoes/article/view/50038

_______________________
Articulação Antinuclear Brasileira
Coordenação de Comunicação

Foto – Acervo do MPJ

___________________________________________________________________________
Publicação da Campanha Nacional da Articulação Antinuclear Brasileira pela não conclusão de Angra 3 não extensão da vida útil de Angra 1!

Exibições: 10

Comentar

Você precisa ser um membro de Articulação Antinuclear Brasileira para adicionar comentários!

Entrar em Articulação Antinuclear Brasileira

Fazemos parte da Frente por uma Nova Política Energética

Acesse!

Site      Facebook    Twitter

© 2024   Criado por Articulação Antinuclear BR.   Ativado por

Badges  |  Relatar um incidente  |  Termos de serviço