Por Lilian Venturini, para o Nexo
Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
“Referência do Programa Nuclear Brasileiro”. “Influenciou mais de uma geração de engenheiros e oficias da Marinha brasileira”. Essas frases, que poderiam constar em qualquer material biográfico sobre o vice-almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, foram escritas para preceder otexto da sentença aplicada a ele pela Justiça do Rio, a mais dura até agora no âmbito da Lava Jato.
O oficial da Marinha foi condenado a 43 anos de prisão pelo juiz Marcelo da Costa Bretas, consequência de crimes praticados por Silva quando presidiu a Eletronuclear, empresa subsidiária da Eletrobras. Ele foi acusado de receber propinas em troca de contratos firmados por empreiteiras com a subsidiária em obras da usina nuclear de Angra 3.
R$ 4,5 milhões é o valor recebido em propinas pelo vice-almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, segundo acusação da Procuradoria da República
As investigações que levaram à condenação do ex-presidente são um desdobramento da Lava Jato. Apenas os crimes relacionados à Petrobras são julgados pela Justiça Federal do Paraná. Lá atua o juiz Sergio Moro, que já condenou uma centena de pessoas, entre doleiros, empreiteiros e ex-funcionários da Petrobras. A punição mais alta foi contra o ex-diretor de Serviços da estatal Renato Duque, contra quem as penas aplicadas somam 40 anos e 11 meses.
Na justificativa da sentença contra o vice-almirante, o juiz afirmou que ele atuou “ativamente” no esquema da Eletrobras. Silva comandou a empresa entre 2005 e 2015. Foi durante esse período, segundo o juiz federal, que o vice-almirante “abriu mão de sua honrada história de estudos e trabalhos à nação brasileira” para atuar em uma “organização criminosa”.
O vice-almirante, de 77 anos, formou-se em engenharia naval pela Escola Politécnica de São Paulo na década de 1960, quando já integrava a Marinha. Na década de 1970, ele fez especialização no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês).
Naquele momento o governo brasileiro já fazia pesquisas em energia nuclear, mas coube a Silva levar o projeto adiante. O programa era secreto e desenvolvido com aval do governo federal, à época sob a ditadura militar (1964-1985). O objetivo da corporação era também ter capacidade de construir submarinos de propulsão nuclear.
Sob o comando de Silva, a Marinha firmou convênios com institutos de pesquisa, contratou engenheiros e técnicos para desenvolver a primeira ultracentrífuga para enriquecimento de urânio. Silva ficou à frente do Programa de Desenvolvimento do Ciclo do Combustível Nuclear e da Propulsão Nuclear para Submarinos entre 1979 e 1994, quando se retirou da Marinha.
Os trabalhos desenvolvidos pelo programa fariam com que no futuro Silva fosse reconhecido como o principal nome ligado à tecnologia da energia nuclear do país.
Embora os fins do programa anunciados pelo governo fossem pacíficos (geração de energia), a atividade despertava a atenção de outros países, preocupados com a criação de armas nucleares.
Detalhes das pesquisas e dos altos investimentos feitos durante aquele período estão sob sigilo até hoje. Quando deixou a Marinha, Silva levou consigo documentos, segundo relatos dele feito a conhecidos, narrados à “Folha de S.Paulo”. Para a jornalista Tânia Malheiros, autora do livro “Brasil: A Bomba Oculta - O Programa Nuclear Brasileiro”, há ainda muito a ser conhecido sobre esse período da história.
Quando se retirou da Marinha, o vice-almirante criou uma empresa de consultoria para trabalhar em projetos do setor privado na área de energia.
O programa nuclear perdeu relevância no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). A prioridade foi revista com a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência em 2003 e, em 2005, Othon Luiz assumiu a Eletronuclear.
Uma de suas prioridades era retomar a construção da usina de Angra 3, parada desde os anos 80, e entregá-la até 2015. Começaram nesse período, segundo a Justiça, as irregularidades que ligaram o vice-almirante ao esquema de corrupção organizado na empresa.
Para dar sequência à construção de Angra 3, os contratos com as empreiteiras precisavam ser revistos e atualizados. Segundo a Procuradoria, o vice-almirante cobrou propinas pelos contratos feitos com a Engevix e Andrade Gutierrez, as duas acusadas de integrar o cartel que atuava na Petrobras.
Com o avanço das apurações da Lava Jato, delatores e investigados falaram sobre os pagamentos de propinas também no setor elétrico. Além de Silva, foram beneficiados também outros ex-dirigentes e lideranças do PMDB, responsáveis pelas indicações de cargos de comando da empresa.
As suspeitas fizeram com que Silva se licenciasse da Eletronuclear em abril de 2015. Em julho daquele ano, ele foi preso na 16ª fase da Lava Jato, a Radioatividade. Pouco depois ele foi autorizado a cumprir prisão domiciliar. Em julho de 2016, porém, o vice-almirante foi preso de novo, na Operação Pripyat, desdobramento da Lava Jato que aprofundou as investigações na Eletronuclear.
R$ 48 milhões, foi o valor pago em propinas a dirigentes da Eletronuclear e a políticos, de acordo com a Operação Pripyat
O vice-almirante foi condenado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, evasão de divisas, organização criminosa e embaraço à investigação. Segundo a acusação, Silva recebia propina por meio de contratos fictícios com as empreiteiras, por meio da empresa que ele abriu quando se retirou da Marinha em 1994.
Ana Cristina da Silva Toniolo, filha dele, também foi condenada a 14 anos e 10 meses por participar do esquema. Ao jornal “O Estado de S.Paulo”, a advogada da filha disse que a sentença do juiz é “fora do padrão” e vai recorrer.
“[Othon Luiz Pinheiro da Silva] atuou ativamente na organização criminosa criada para fraudar contratos da Eletronuclear (...), isso com o fim de obter, já na fase derradeira de sua vida profissional, vantagens indevidas, possivelmente para garantir uma aposentadoria mais confortável, usando para tanto sua notoriedade profissional e importância do cargo, fato que considero altamente reprovável”
Juiz federal Marcelo da Costa Bretas (trecho da sentença aplicada ao ex-presidente da Eletronuclear)
A defesa do vice-almirante ainda não se manifestou. Em outras ocasiões, Silva negou ter recebido propina. Ele afirmou que o dinheiro recebido das empreiteiras era fruto de consultorias legais feitas por ele.
Para o juiz, no entanto, era propina. Na sentença, ele diz que o esquema do qual Silva fez parte causou prejuízos à empresa e ao desenvolvimento da tecnologia nuclear, área pela qual tornou-se internacionalmente conhecido.
As obras da Angra 3, uma das prioridades do vice-almirante, estão sob investigação do Tribunal de Contas da União. Os técnicos apontam irregularidades graves e pedem a paralisação da obra, cujo prejuízo pode chegar a R$ 136 milhões. De acordo com a última previsão da Eletronuclear, a usina será entregue em 2020, 36 anos depois do início da construção.
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